Como em todo relacionamento que envolve entidades, seja na umbanda, no candomblé ou no hinduísmo, a necessidade de oferendas é fundamental para um bom proceder. No nosso caso não poderia ser diferente.
A primeira tarefa/oferenda indicada por Jayme foi a construção de um muro dentro do seu atelier. Uma de suas paredes tinha um recuo, um espaço quadrado, que dava para baixo da escada dos vizinhos. Segundo Jayme, e depois constatamos que era verdade, todo o som gerado no atelier/sarcófago poderia ser escutado pelos vizinhos. Longe de ser uma paranóia. Pelo que pudemos conhecer dos vizinhos de Jayme, Dona Florinda perde. Isso é um fato. Nenhum dos outros moradores do casarão gostam da presença dele. Acreditam plenamente que todos os ratos e baratas do Pelô saem da casa de Jayme. Antes do muro, uma das formas inventadas por Jayme para combater a bisbilhotagem da vizinhança, foi sintonizar uma freqüência extremamente aguda de rádio que ressoava 24h por dia. E ainda de quebra, segundo o mesmo, espantava os insetos de seu atelier. Para Jayme uma medida extremamente útil, para nós, um imenso problema pois, como iríamos captar o som direto? Melhor subir o muro!
Não tínhamos plano de filmar o processo do muro. Então enviamos 150 blocos e um saco de cimento para o Sarcófago. Jayme tinha pedido 300 blocos, mas fiz meus cálculos virtuais na parede dele e achei que seria de mais. Mais tarde vi que estava certo.
O segundo passo antes das filmagens era a iluminação do Sarcófago. Esse foi um ponto bastante discutido entre a equipe. Eu, Fábio (diretor de fotografia) e Tenille (Produtora Executiva) quebramos a cabeça pensando na maneira ideal para iluminar o iluminável. Bom, nas minhas primeiras idas ao Sarcofago, ele era praticamente um breu, uma luz fraca, velas e uma TV desintonizada. Para o olho humano e para a PD-150 da época a luz ficou fantástica. Foi na época do Projeto Figuraça. Já se vão 4 anos. Hoje o atelier está alguns milímetros mais arejado, iluminado por uma única lâmpada de 500, que acaba não alcançando os becos e cantos do Sarcófago.
Bem, aquela iluminação quente, obscura, da época da minha primeira visita não saia da minha cabeça. Queria de alguma forma manter aquele clima underground e subterrâneo. Conversando com Fábio, decidimos não utilizar lâmpadas cinematográficas. A solução foi a construção de uma grande gambiarra que percorreria o Sarcófago com lâmpadas de diferentes luminosidades. Tenille ficou apreensiva com nossa idéia, em virtude desse material ter que passar pelo processo de transfer. O que requer uma atenção maior em relação às regiões escuras e o contraste.
Apostamos na idéia. Pensamos de imediato em Zé Bola (gente boa e pau pra toda obra) para montar a iluminação com a gente. A produção comprou o material necessário e, no dia seguinte, fomos para o Sarcófago. Ainda não estávamos com nosso uniforme de filmagem. Vou explicar...para suportar a insalubridade do ambiente desenvolvemos EPI’s básicos: Um macacão devidamente personalizado, botas sete léguas, óculos de proteção, luvas e mascaras de ar. Estava um pouco inserto sobre a necessidade do aparato, mas, no processo percebi que foi uma ótima idéia.
Voltando à iluminação, ainda sem o uniforme, adentramos no espaço. Zé Bola foi apresentado para Jayme, e automaticamente recebeu o apelido de Gordo, hoje já substituído por Elétrico. Jayme tem esse habito de colocar apelido nos outros. Toda a equipe já tem. Jayme ainda trabalhava no muro, preparando o cimento e colocando os blocos, o que nos deixou bem à “vontade” para o serviço elétrico. Cimento, barro, água, “passada” pra tudo quanto é lado. E é claro uma ótima conversa. Em poucos minutos já suávamos como cuscuz. Não existem janelas no Sarcófago, apenas um sistema de ventilação desenvolvido por Jayme que ninguém acreditava que funcionava até desligarmos ele para o teste do som. Acho importante para um bom entendimento informar que o Sarcófago se resume, em termos de espaço para circulação, em três ambientes de 2m² no primeiro andar e um de 4m² no segundo. É extremamente complicada a movimentação nele.
Como não poderia deixar de ser, a instalação elétrica da casa de Jayme é complexa. A fiação, um emaranhado de fios coloridos e desencapados, fica no atelier, já a resistência fica na casa do vizinho. Beleza, até então isso não era problema. Zé Bola adentrou a florestas de fios e começou o serviço. Depois de algumas horas, entre saídas e entradas, pois ninguém consegue permanecer por mais de meia hora no Sarcáfago, começamos a perceber a iluminação. Zé era só suor. O espaço ganhou profundidade, para qualquer ponto que olhássemos víamos luminosidade, todos estávamos satisfeitos. Só faltava Zé colocar mais duas Lâmpadas e pronto. Mas como o Diabo mora nos detalhes, quando fomos fazer o ultimo teste tudo veio abaixo. BLACK, ficamos no breu total. Só se ouvia o sorriso inconfundível de Jayme. Hi,hi,hi,hi,hi,hi!
Zé pulou o portal do Sarcófago e em alguns minutos conseguiu religar tudo. Contou que chegou no exato momento em que o vizinho saia para comprar pão. Jayme ficou surpreso que o tal de Julhinho, Tuninho, sei lá, tenha deixado Bola entrar para ligar a resistência. Ficamos aguardando o diagnóstico de Zé. Dava para perceber que ele foi pego de surpresa pela queda. Todos concordaram que deveria ter sido devido a quantidade de lâmpadas. Mas, se a resistência não estava agüentando as lâmpadas como iria agüentar a máquina de solda, geladeira, microondas e compressor que ainda entrariam ali? Zé revirou, desarmou, desencapou, conectou toda a gambiarra. Após alguns minutos anunciou: Vou plugar! Todos apreensivos....PLAC, BLACK. Já era noite. Dessa vez não ouvimos risada alguma. Saímos os três do Sarcófago. Jayme ficou. Levamos cerca de 30 minutos esperando a boa vontade dos vizinhos para abrir a porta. Até que um namorado de uma das moradoras, que já tinha aparecido algumas vezes na janela, chegou. Em alguns segundos a senhorita se animou a descer do terceiro andar para abrir a porta. Claro que nesse intervalo tive que comprar algumas velas e isqueiro para Jayme não ficar no escuro. Pois bem, luz novamente ligada, voltamos ao atelier. Pensa daqui, pensa de lá, eis que surge o protagonista da historia: O Bocal. Os fios do um dos bocais estavam em curto, derrubando o pobre do Zé Bola. Alivio geral, poderíamos ligar a luz, geladeira, fogão, elevador, o que quiséssemos, pois a instalação elétrica de Jayme é o ouro e Zé é foda!
Vale lembrar que para que esse passatempo transcendental ocorresse contamos com os serviços de Inailton, Carol e Eliana.
A primeira tarefa/oferenda indicada por Jayme foi a construção de um muro dentro do seu atelier. Uma de suas paredes tinha um recuo, um espaço quadrado, que dava para baixo da escada dos vizinhos. Segundo Jayme, e depois constatamos que era verdade, todo o som gerado no atelier/sarcófago poderia ser escutado pelos vizinhos. Longe de ser uma paranóia. Pelo que pudemos conhecer dos vizinhos de Jayme, Dona Florinda perde. Isso é um fato. Nenhum dos outros moradores do casarão gostam da presença dele. Acreditam plenamente que todos os ratos e baratas do Pelô saem da casa de Jayme. Antes do muro, uma das formas inventadas por Jayme para combater a bisbilhotagem da vizinhança, foi sintonizar uma freqüência extremamente aguda de rádio que ressoava 24h por dia. E ainda de quebra, segundo o mesmo, espantava os insetos de seu atelier. Para Jayme uma medida extremamente útil, para nós, um imenso problema pois, como iríamos captar o som direto? Melhor subir o muro!
Não tínhamos plano de filmar o processo do muro. Então enviamos 150 blocos e um saco de cimento para o Sarcófago. Jayme tinha pedido 300 blocos, mas fiz meus cálculos virtuais na parede dele e achei que seria de mais. Mais tarde vi que estava certo.
O segundo passo antes das filmagens era a iluminação do Sarcófago. Esse foi um ponto bastante discutido entre a equipe. Eu, Fábio (diretor de fotografia) e Tenille (Produtora Executiva) quebramos a cabeça pensando na maneira ideal para iluminar o iluminável. Bom, nas minhas primeiras idas ao Sarcofago, ele era praticamente um breu, uma luz fraca, velas e uma TV desintonizada. Para o olho humano e para a PD-150 da época a luz ficou fantástica. Foi na época do Projeto Figuraça. Já se vão 4 anos. Hoje o atelier está alguns milímetros mais arejado, iluminado por uma única lâmpada de 500, que acaba não alcançando os becos e cantos do Sarcófago.
Bem, aquela iluminação quente, obscura, da época da minha primeira visita não saia da minha cabeça. Queria de alguma forma manter aquele clima underground e subterrâneo. Conversando com Fábio, decidimos não utilizar lâmpadas cinematográficas. A solução foi a construção de uma grande gambiarra que percorreria o Sarcófago com lâmpadas de diferentes luminosidades. Tenille ficou apreensiva com nossa idéia, em virtude desse material ter que passar pelo processo de transfer. O que requer uma atenção maior em relação às regiões escuras e o contraste.
Apostamos na idéia. Pensamos de imediato em Zé Bola (gente boa e pau pra toda obra) para montar a iluminação com a gente. A produção comprou o material necessário e, no dia seguinte, fomos para o Sarcófago. Ainda não estávamos com nosso uniforme de filmagem. Vou explicar...para suportar a insalubridade do ambiente desenvolvemos EPI’s básicos: Um macacão devidamente personalizado, botas sete léguas, óculos de proteção, luvas e mascaras de ar. Estava um pouco inserto sobre a necessidade do aparato, mas, no processo percebi que foi uma ótima idéia.
Voltando à iluminação, ainda sem o uniforme, adentramos no espaço. Zé Bola foi apresentado para Jayme, e automaticamente recebeu o apelido de Gordo, hoje já substituído por Elétrico. Jayme tem esse habito de colocar apelido nos outros. Toda a equipe já tem. Jayme ainda trabalhava no muro, preparando o cimento e colocando os blocos, o que nos deixou bem à “vontade” para o serviço elétrico. Cimento, barro, água, “passada” pra tudo quanto é lado. E é claro uma ótima conversa. Em poucos minutos já suávamos como cuscuz. Não existem janelas no Sarcófago, apenas um sistema de ventilação desenvolvido por Jayme que ninguém acreditava que funcionava até desligarmos ele para o teste do som. Acho importante para um bom entendimento informar que o Sarcófago se resume, em termos de espaço para circulação, em três ambientes de 2m² no primeiro andar e um de 4m² no segundo. É extremamente complicada a movimentação nele.
Como não poderia deixar de ser, a instalação elétrica da casa de Jayme é complexa. A fiação, um emaranhado de fios coloridos e desencapados, fica no atelier, já a resistência fica na casa do vizinho. Beleza, até então isso não era problema. Zé Bola adentrou a florestas de fios e começou o serviço. Depois de algumas horas, entre saídas e entradas, pois ninguém consegue permanecer por mais de meia hora no Sarcáfago, começamos a perceber a iluminação. Zé era só suor. O espaço ganhou profundidade, para qualquer ponto que olhássemos víamos luminosidade, todos estávamos satisfeitos. Só faltava Zé colocar mais duas Lâmpadas e pronto. Mas como o Diabo mora nos detalhes, quando fomos fazer o ultimo teste tudo veio abaixo. BLACK, ficamos no breu total. Só se ouvia o sorriso inconfundível de Jayme. Hi,hi,hi,hi,hi,hi!
Zé pulou o portal do Sarcófago e em alguns minutos conseguiu religar tudo. Contou que chegou no exato momento em que o vizinho saia para comprar pão. Jayme ficou surpreso que o tal de Julhinho, Tuninho, sei lá, tenha deixado Bola entrar para ligar a resistência. Ficamos aguardando o diagnóstico de Zé. Dava para perceber que ele foi pego de surpresa pela queda. Todos concordaram que deveria ter sido devido a quantidade de lâmpadas. Mas, se a resistência não estava agüentando as lâmpadas como iria agüentar a máquina de solda, geladeira, microondas e compressor que ainda entrariam ali? Zé revirou, desarmou, desencapou, conectou toda a gambiarra. Após alguns minutos anunciou: Vou plugar! Todos apreensivos....PLAC, BLACK. Já era noite. Dessa vez não ouvimos risada alguma. Saímos os três do Sarcófago. Jayme ficou. Levamos cerca de 30 minutos esperando a boa vontade dos vizinhos para abrir a porta. Até que um namorado de uma das moradoras, que já tinha aparecido algumas vezes na janela, chegou. Em alguns segundos a senhorita se animou a descer do terceiro andar para abrir a porta. Claro que nesse intervalo tive que comprar algumas velas e isqueiro para Jayme não ficar no escuro. Pois bem, luz novamente ligada, voltamos ao atelier. Pensa daqui, pensa de lá, eis que surge o protagonista da historia: O Bocal. Os fios do um dos bocais estavam em curto, derrubando o pobre do Zé Bola. Alivio geral, poderíamos ligar a luz, geladeira, fogão, elevador, o que quiséssemos, pois a instalação elétrica de Jayme é o ouro e Zé é foda!
Vale lembrar que para que esse passatempo transcendental ocorresse contamos com os serviços de Inailton, Carol e Eliana.
Texto: Daniel Lisboa (Diretor)
Desenho: Jayme Fygura
Foto Making Of: Inailton Pinheiro
Desenho: Jayme Fygura
Foto Making Of: Inailton Pinheiro
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