segunda-feira, 27 de abril de 2009

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A AUTONOMIA DO CORPO E A RECONFIGURAÇÃO DO DESIGN CONTEMPORÂEO

;Se perguntarmos a um transeunte qualquer, desatento e envolto nos fluxos tecnológicos, na ideologia do trabalho e,sobremaneira, estafado por tudo que lhe chega a partir de uma rede discursiva dita como “atualidade”, pelos equipamentos coletivos de mídia, e por uma sequenciada transmissão de enunciados desconstrutivistas, por uma tal reprodução subjetiva da pior fase do capitalismo, e por uma fabricação desmesurada de máquinas territorializadas - para usar uma expressão de Felix Guttari - o que define a contemporaneidade; certamente não obteremos resposta fácil...Se caminharmos um pouco mais e num recorte intelectual, buscarmos as correntes pós-modernas, tão em voga nesse momento do delírio universal, longe de recorrer a um discurso homogêneo, melodicamente desenvolvido, certamente esses teóricos ajustariam o tema, o conceito e à circunstância, quebrando a possibilidade positivista de definição, dando-lhe amplas possibilidades de significar o design contemporâneo. Ora, diante das mutações da subjetividade, sobretudo aquelas que não podem ser reduzidas a modelos de identidade, diante da desidentificação com o circunstancial controle social – muito embora possamos definir a era do controle como uma evolução do século da disciplina – depois da queda da infra-estrutura marxista, e em plena vigência da representação de estratos heterogêneos da invenção cotidiana – paradoxo do mesmo-diferente, ao invés da produção de uma heterogênese pura - diante das oposições binárias vividas a todo vapor, e de um retrocesso de percurso da produção massiva, o que sobrara para uma tal definição. O corpo? Talvez! Fato é que diante das contradições entre o natural, o artificial, e o cultural, ou melhor, entre a natureza, o artifício e a cultura, demonstrar as virtudes do corpo ainda é o melhor caminho para fugir da encruzilhada dos múltiplos componentes de subjetividade que compõem o contemporâneo...Vou falar como modelo-não-modelizado um corpo-farpas; um corpo-máscara-aranha, confeccionado com tampas de ralo de pia; um corpo tecnológico primitivo; de farrapos com conceitos; do simples com a complexidade de um corpo-design menos atual do que virtual, que é nada mais, nada menos do que a expressão diagramática e movente, instável e mutante, difuso e esquizo, do próprio corpo contemporâneo. Corpo este que não reproduz modelos preexistentes no mass-media, e que inventa ou reinventa um trajeto da História Universal – do arcaico ao medieval; do moderno ao pós-guerra – e que introduz possibilidades para uma reconquista do corpo no ambiente inumano em que vivemos; ainda que um humano-maquinizado, mas repleto de sentidos.

Leia o texto na integra em :


Texto: Fábio Rocha

Foto: Diego Lisboa

quinta-feira, 9 de abril de 2009

SHOW O SARCÓFAGO

Em breve novas apresentações de Jayme Fygura e sua Under-Banda.

RELATOS 03 - FARPAS RELUZENTES

Com o Sarcófago re-configurado, (des)organizado, seguimos para a segundo dia de filmagem. Adentramos o atelier levando um importante elemento conosco: A máquina de solda.

Jayme é um artista completo, dono de um processo legitimo e peculiar. Na confecção de suas obras encontramos a utilização de uma grande variedade de materiais: Ferro, barro, gesso, madeira, pano, tecidos, alumínio, papel, tinta, suor, couro e pesadelo. A forma peculiar no trato desses elementos, para construir suas indumentárias, instalações e quadros, em minha visão, é o que distancia nosso artista dos demais. Jayme desenvolve uma espécie de alquimia-transcendental-underground onde combina elementos materiais, com sentimentos confusos e abstratos. Essas fórmulas/receitas, sempre apresentam variáveis, resultando em um método de constante mutação artística, impregnado de verdade.

Na ocasião do filme, Jayme já havia sinalizado que estava na fase do ferro, do gesso e do barro. Suas motivações eram as mais variadas para essa decisão. Tinha optado por abandonar o alumínio e a chapa por não querer se tachado na rua de “Homem de Lata” ou “Catador de Latinhas”. A luminosidade do alumínio passou a incomodá-lo e gradativamente os tons ferruginosos do ferro dominaram sua indumentária. Para o Sarcófago, seu atelier, a recente idéia de cobri-lo com azulejo branco para dar maior visibilidade às obras tinha sido abandonada. Jayme agora desejava preencher todo o local com barro e gesso, criando uma espécie de casa de marimbondo, como ele mesmo define.

O Fygura nunca teve uma máquina de solda a sua disposição. Sempre trabalhou com equipamentos emprestados, com curto prazo para devolução. A dificuldade com a disponibilidade do aparelho era uma queixa constante. Animava-me a possibilidade de presenteá-lo com algo tão importante para sua criação. Importante para Jayme e para o filme, pois tínhamos a necessidade de potencializar seu processo de solda.

A figura de Zé Bola nesse dia foi imprescindível. Como nunca tínhamos tido contato com uma maquina de solda, pensávamos que simplesmente a ligaríamos na tomada e pronto. Grande engano. A tomada da máquina eram estranhos dois fios desencapados. Perdemos quase toda a manhã resolvendo essa conexão. Além de ter que adaptar uma tomada na maquina, tínhamos que adaptar a maquina na precária instalação elétrica do atelier de Jayme. Lá vai Hinailto pelo centro da cidade atrás dos materiais elétricos necessários.

Enquanto não resolvíamos a instalação, iniciávamos a resolução de outro problema. Como já falamos aqui, dentro do atelier, na sua solidão, Jayme trabalha a vontade, sem roupa, sem máscara, exposto. Sozinho, não existia o risco de ser observado, desvendado por outrem. Mas, como filmá-lo no interior de seu atelier, trabalhando, sem revelar sua identidade?

Conversando com Jayme tivemos a idéia da construção de uma máscara mais leve, diferente da usada para suas perambulações, uma máscara que não atrapalhasse sua atividade e movimentação no atelier. Estava tudo certo, tínhamos combinado que essa mascara já deveria estar confeccionada para o segundo dia de filmagem. No entanto, percebemos ao chegar no atelier, que Jayme ainda não tinha conseguido iniciá-la. À medida que o filme foi avançando, fomos percebendo que Jayme sempre precisava de um tempo maior do que dizia para criação de seus artefatos. Ele aproveitou nossa dificuldade com a máquina de solta para adiantar a máscara.

Com grande agilidade, Jayme pegou um bolo de arames e um saco com grande quantidade de filtros para ralo de pia. Retorcendo os filtros com pancadas sutis de uma pequena marreta e transando os fios de arame pelos orifícios dos filtros, a magia começou a se instalar no Sarcófago. De imediato sinalizei a equipe para que o registro começasse. Como se estivesse costurando uma colcha de retalhos Jayme habilmente dava forma a sua mascara. Era nítido que não estava muito a vontade com a situação. Sabia que não tinha comprido com o combinado e se apresava para resolver tudo.
Acertamos que só iríamos filmar suas mãos, e os objetos manipulados. Jayme aceitou, mas se manteve temeroso, tenso. Todo o tempo pedia para não filmar o seu rosto. Por mais que repetíssemos que não estávamos filmando, ele insistia no pedido. De fato, para nós, não existia o menor sentido em filmar seu rosto, apreender sua identidade. A rostidade zero sempre foi o que nos fascinou e motivou no Fygura.

Apesar dos empecilhos, Jayme mantinha uma concentração impassível e a magia da criação. Em menos de duas horas já tinha em mãos uma bela máscara. Falei que ela lembrava algo que não recordo agora e rapidamente ele corrigiu dizendo que era uma cabeça de aranha. Fiquei feliz com o resultado. No mesmo momento Zé Bola terminou a instalação da solda. Já era meio-dia e resolvemos fazer a pausa para o almoço. Jayme decidiu ficar e continuar com o trabalho.

Quando voltamos ao Sarcófago, depois de uma hora, Jayme tinha abandonado o projeto anterior e com a solda em mãos, finalizava a estrutura de outra máscara. Tentei entender os motivos do abandono e percebi que Jayme só estava fazendo a primeira mascara para nos agradar, para termos algo para filmar em quanto a solda não estava pronta. Quando perguntei o que ia fazer com a máscara anterior ele rapidamente a pegou e atirou no lixo. Enquanto estávamos no almoço, já com a máquina em mãos, ele deu inicio ao projeto da forma que desejava. Utilizando ferro e os mesmo filtros, criou uma estrutura mais sólida e robusta.

Com a máquina de solda ligada uma nova configuração de sombra e luz impregnou o ambiente. As fagulhas do eletródo em contato com o ferro pipocavam como cometas luminosos. O som singular da máquina se misturava aos urros e xingamentos de Jayme ao ter a pele corrompida pelos estilhaços incandescentes. Passeávamos pelos corredores estreitos do Sarcófago hipnotizados com a ação. Foram dois dias absortos na confecção da máscara. Cruzamos a primeira sexta 13 do filme envoltos em um clima de fascínio e cansaço. Concentrados, ensimesmados, distraídos, até nos queimarmos no fogo da criação!

Texto - Daniel Lisboa

Fotos - João Ramos