sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

RELATOS 01 - O MURO E O BOCAL

Como em todo relacionamento que envolve entidades, seja na umbanda, no candomblé ou no hinduísmo, a necessidade de oferendas é fundamental para um bom proceder. No nosso caso não poderia ser diferente.

A primeira tarefa/oferenda indicada por Jayme foi a construção de um muro dentro do seu atelier. Uma de suas paredes tinha um recuo, um espaço quadrado, que dava para baixo da escada dos vizinhos. Segundo Jayme, e depois constatamos que era verdade, todo o som gerado no atelier/sarcófago poderia ser escutado pelos vizinhos. Longe de ser uma paranóia. Pelo que pudemos conhecer dos vizinhos de Jayme, Dona Florinda perde. Isso é um fato. Nenhum dos outros moradores do casarão gostam da presença dele. Acreditam plenamente que todos os ratos e baratas do Pelô saem da casa de Jayme. Antes do muro, uma das formas inventadas por Jayme para combater a bisbilhotagem da vizinhança, foi sintonizar uma freqüência extremamente aguda de rádio que ressoava 24h por dia. E ainda de quebra, segundo o mesmo, espantava os insetos de seu atelier. Para Jayme uma medida extremamente útil, para nós, um imenso problema pois, como iríamos captar o som direto? Melhor subir o muro!

Não tínhamos plano de filmar o processo do muro. Então enviamos 150 blocos e um saco de cimento para o Sarcófago. Jayme tinha pedido 300 blocos, mas fiz meus cálculos virtuais na parede dele e achei que seria de mais. Mais tarde vi que estava certo.

O segundo passo antes das filmagens era a iluminação do Sarcófago. Esse foi um ponto bastante discutido entre a equipe. Eu, Fábio (diretor de fotografia) e Tenille (Produtora Executiva) quebramos a cabeça pensando na maneira ideal para iluminar o iluminável. Bom, nas minhas primeiras idas ao Sarcofago, ele era praticamente um breu, uma luz fraca, velas e uma TV desintonizada. Para o olho humano e para a PD-150 da época a luz ficou fantástica. Foi na época do Projeto Figuraça. Já se vão 4 anos. Hoje o atelier está alguns milímetros mais arejado, iluminado por uma única lâmpada de 500, que acaba não alcançando os becos e cantos do Sarcófago.

Bem, aquela iluminação quente, obscura, da época da minha primeira visita não saia da minha cabeça. Queria de alguma forma manter aquele clima underground e subterrâneo. Conversando com Fábio, decidimos não utilizar lâmpadas cinematográficas. A solução foi a construção de uma grande gambiarra que percorreria o Sarcófago com lâmpadas de diferentes luminosidades. Tenille ficou apreensiva com nossa idéia, em virtude desse material ter que passar pelo processo de transfer. O que requer uma atenção maior em relação às regiões escuras e o contraste.

Apostamos na idéia. Pensamos de imediato em Zé Bola (gente boa e pau pra toda obra) para montar a iluminação com a gente. A produção comprou o material necessário e, no dia seguinte, fomos para o Sarcófago. Ainda não estávamos com nosso uniforme de filmagem. Vou explicar...para suportar a insalubridade do ambiente desenvolvemos EPI’s básicos: Um macacão devidamente personalizado, botas sete léguas, óculos de proteção, luvas e mascaras de ar. Estava um pouco inserto sobre a necessidade do aparato, mas, no processo percebi que foi uma ótima idéia.

Voltando à iluminação, ainda sem o uniforme, adentramos no espaço. Zé Bola foi apresentado para Jayme, e automaticamente recebeu o apelido de Gordo, hoje já substituído por Elétrico. Jayme tem esse habito de colocar apelido nos outros. Toda a equipe já tem. Jayme ainda trabalhava no muro, preparando o cimento e colocando os blocos, o que nos deixou bem à “vontade” para o serviço elétrico. Cimento, barro, água, “passada” pra tudo quanto é lado. E é claro uma ótima conversa. Em poucos minutos já suávamos como cuscuz. Não existem janelas no Sarcófago, apenas um sistema de ventilação desenvolvido por Jayme que ninguém acreditava que funcionava até desligarmos ele para o teste do som. Acho importante para um bom entendimento informar que o Sarcófago se resume, em termos de espaço para circulação, em três ambientes de 2m² no primeiro andar e um de 4m² no segundo. É extremamente complicada a movimentação nele.

Como não poderia deixar de ser, a instalação elétrica da casa de Jayme é complexa. A fiação, um emaranhado de fios coloridos e desencapados, fica no atelier, já a resistência fica na casa do vizinho. Beleza, até então isso não era problema. Zé Bola adentrou a florestas de fios e começou o serviço. Depois de algumas horas, entre saídas e entradas, pois ninguém consegue permanecer por mais de meia hora no Sarcáfago, começamos a perceber a iluminação. Zé era só suor. O espaço ganhou profundidade, para qualquer ponto que olhássemos víamos luminosidade, todos estávamos satisfeitos. Só faltava Zé colocar mais duas Lâmpadas e pronto. Mas como o Diabo mora nos detalhes, quando fomos fazer o ultimo teste tudo veio abaixo. BLACK, ficamos no breu total. Só se ouvia o sorriso inconfundível de Jayme. Hi,hi,hi,hi,hi,hi!

Zé pulou o portal do Sarcófago e em alguns minutos conseguiu religar tudo. Contou que chegou no exato momento em que o vizinho saia para comprar pão. Jayme ficou surpreso que o tal de Julhinho, Tuninho, sei lá, tenha deixado Bola entrar para ligar a resistência. Ficamos aguardando o diagnóstico de Zé. Dava para perceber que ele foi pego de surpresa pela queda. Todos concordaram que deveria ter sido devido a quantidade de lâmpadas. Mas, se a resistência não estava agüentando as lâmpadas como iria agüentar a máquina de solda, geladeira, microondas e compressor que ainda entrariam ali? Zé revirou, desarmou, desencapou, conectou toda a gambiarra. Após alguns minutos anunciou: Vou plugar! Todos apreensivos....PLAC, BLACK. Já era noite. Dessa vez não ouvimos risada alguma. Saímos os três do Sarcófago. Jayme ficou. Levamos cerca de 30 minutos esperando a boa vontade dos vizinhos para abrir a porta. Até que um namorado de uma das moradoras, que já tinha aparecido algumas vezes na janela, chegou. Em alguns segundos a senhorita se animou a descer do terceiro andar para abrir a porta. Claro que nesse intervalo tive que comprar algumas velas e isqueiro para Jayme não ficar no escuro. Pois bem, luz novamente ligada, voltamos ao atelier. Pensa daqui, pensa de lá, eis que surge o protagonista da historia: O Bocal. Os fios do um dos bocais estavam em curto, derrubando o pobre do Zé Bola. Alivio geral, poderíamos ligar a luz, geladeira, fogão, elevador, o que quiséssemos, pois a instalação elétrica de Jayme é o ouro e Zé é foda!

Vale lembrar que para que esse passatempo transcendental ocorresse contamos com os serviços de Inailton, Carol e Eliana.


Texto: Daniel Lisboa (Diretor)

Desenho: Jayme Fygura

Foto Making Of: Inailton Pinheiro

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

SIMULTANEAMENTE DENTRO E FORA

Não sei bem quando, nem exatamente onde o primeiro contato audiovisual (sensorial) se deu. O que sei é que naquele instante se tornava impossível ignorar a presença dessa entidade que cortava a cidade como uma nota rebelde de Rock’n Roll.

Fiquei amontoado de questionamentos: Ele é verdadeiramente isso ou é apenas uma performance? De onde vem essa força? O que o move?

Não demorou para descobrir que esse ser que habitava o intermezzo entre um pós-Exú e um pré-ciborg se chamava Jayme Fygura: Negro, pobre, suburbano, punk.

Aos poucos fui me aproximando, com o respeito e a reverência que se deve ter a um mestre, mas não um mestre comum, qualquer, mas um mestre formado nas trevas, no submundo, na morbidez, impregnado de miséria, dor, fome e Rock’n Roll.

Como se já não bastasse todo o ritual de perambulação, revestido por uma armadura de ferro, alumínio, madeira, pano e cobre, descobri que todo esse conhecimento underground tinha um templo: O SARCÓFAGO.

O contraste causado pelas enormes portas de barro e ferro do atelier, com a arquitetura colonial do Pelourinho é impactante. A impressão é que o Sarcófago, uma espécie de instalação arquitetônica pós-moderna, emergiu de camadas inferiores da terra, como um portal para dimensões infernais, que se mantém ali, impávido, respirando e rosnando, ao lado de restaurantes e pousadas do Centro Turístico.

A oportunidade de adentrar no SARCÓFAGO, me fez entender como a obra de Jayme está pra além de suas vestimentas, da genial confecção de suas indumentárias, tão conhecidas pelas ruas da cidade. Mutações, processos alquímicos, enigmas seculares e mistérios inusitantes. No SARCÓFAGO Jayme está em sua própria carapaça, simultaneamente dentro e fora, como um controlador supremo, executando seu complexo processo de criação: A estética das FARPAS RELUZENTES.

Meu desejo é que o filme que estamos construindo sobre esse fabuloso artista funcione não apenas como uma ferramenta de propagação da sua vida e obra, mas, para além disso, se apresente como uma extensão da própria obra, sendo mais um dos inúmeros elementos que compõem esse universo obscuro.

Texto: Daniel Lisboa (Diretor)

Foto Still: João Ramos

Foto Making Of: Inailton


AUDIOVISUALIZAÇÕES

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O EFEITO COLATERAL DA OBRA

;o que interessa a um filme são os acontecimentos, aquilo que jamais se repetirá...nesse filme em especial – O SARCÓFAGO – o que interessa são os setores ligados a miséria, a dor, a guerra, a morte e ao êxtase de um homem-máquina....comecemos pelo primeiro setor...;estávamos indo montar a luz na Uzynanucleatelier de Jayme Fygura...e fui pensando durante o trajeto sobre a interpretação de forças com a equipe, sobre a experimentação de quadros, sobre o cálculo de problemas que teríamos pela frente...logo em seguida...quando as gambiarras já estavam incrustadas na parede de barro...quando o objeto arquitetônico, a criação do espaço nos chamava para o ato fílmico...quando a presença do diretor, suas diretrizes e seus furores secretos se confundiam...quando a presença do fotógrafo e o ato fotográfico (o gesto de fotografar)...se sobrepunham...quando a relação da equipe com o plano de composição se mixavam...nesse instante a narrativa tomava dimensões transversais entre a imagem fixa da FYGURA de JAYME e a imagem em movimento que estávamos empenhados em concretizar...esse lugar do fotógrafo na era digital...esse antipoeta das cores...o pintor de irrealidades...ou como quer que o chamemos...somado com a dimensão conceitual e pragmática do maestro...do diretor-montador...e ao estado crepuscular de um artista verdadeiramente visual...era - digamos - o começo de uma demonstração de admiração mútua...e certo embasbacamento em evidenciar os quadros em perspectiva geométrica de uma salvador cínica e trágica...e por vezes dramática...atravessada pelo corpo-obra...; com a natureza de Exú...o preto e o vermelho...revelaremos um paradoxo entre o dentro e o fora....a exterioridade e o interior através de cores quentes e sombras recortadas...a dor de um artista na miséria social...mas ainda assim imbuído de uma força esplêndida que será encarada através das lentes de um grafista não menos miserável...daí a duplicidade do encontro...a triplicidade melhor dizendo...quando pensamos na loucura da logística empunhada e materializada com certa doçura e brutalidade pelo compositor da obra...essa complementaridade do encontro...a densidade de um corpo-mídia...e a mídia densa de nosso corpo coletivizado...em busca de uma vibração...dos feixes luminosos e das camadas de flechas incendiárias...estamos...a bem da verdade...compondo a própria luminosidade da dor...com o calor, o frio do suor, a raiva, as intensidades, os pés inchados, a morte-vida de uma engrenagem em pleno vapor...produzindo velocidades na lentidão do centro...e trazendo da periferia...as texturas conceituais e a alucinação pungente de uma experiência física...no mínimo curiosa...mas é muito mais que isso...é a violação dos estereótipos da cosmogonia e dos sentimentos convencionais...e de certo modo...é o que faz da nossa vontade...uma densidade corpo-midiática...um homem “morto-imortal”...um narrador-personagem do próprio relato...uma objetiva-objeto do discurso...sob um contraluz difuso entre a vala comum da política e da poética...é também um território antropomaquinomorfizado... ;vejamos, portanto, alguns momentos que ilustram a maneira pela qual incursionamos pela experimentação desse campo cinemático...: os três primeiros dias de filmagem no SARCÓFAGO...chamamos erroneamente de Setor da limpeza...nesses primeiros passos o homem-máquina...e tudo aquilo que comumente designamos de lixo fazia uma diligência cautelosa...já que tudo ali era simplesmente matéria de composição...máquina abstrata em estado crepuscular...um lugar fora-de-lugar...material inútil era ,pois, material embaçado e nublado, agrupamento molecular...donde as peças do jogo estavam, de certo modo, embaralhadas...não podíamos dizer o que deveria sair sem antes pensarmos numa primeira contradição...embora desaprove essa vertente da contemporaneidade (a reinvenção do corpo pela máquina)...as mutações do corpo-obra de Jayme eram ,de todo modo, mutações de superfície maquínicas...reinvenções profundas do corpo-espírito através de petrechos, utensílios, material subjetivo e arcaico...uma segunda pele...e tudo isso era mesmo necessário para as metamorfoses...todo esse material inutilizado para “homens comuns”, ou melhor, seres acidentalmente cotidianos...era um desejo de potencializar ainda mais a carapaça esplêndida...jamais poderíamos reduzir a imagem dos materiais à uma função social...LIXO!?

Leia o Texto Completo em:

http://cavalodocao.multiply.com/journal/item/40/O_EFEITO_COLATERAL_DA_OBRA

Texto: Fábio Rocha ( Diretor de Fotografia )

Fotos Making Of: Inailton

domingo, 15 de fevereiro de 2009

FARPAS 29.01

SARCÓFAGO - Diário 29.01
Para Maior Visualização:
http://www.flickr.com/photos/curtaosarcofago/3282320473/sizes/l/

Já se pode ouvir o som que vêm do SARCÓFAGO...

A UZYNANUKLEARATELIER inicia seu funcionamento...

O processo de MORBITALIZAÇÃO começa a surtir efeito...

Com molduras e FARPAS RELUZENTES o espírito expõe a dor, do amor a ARTE.!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

UZYNANUKLEARATELIER

Um castelo. Mas para isso, é preciso muito. Muitos blocos para serem empilhados. Castelos custam demais, e os blocos não vieram. Ou vieram, tarde demais. Antes veio a morte. A morte está sempre no encalço da vida. E na ausência de castelo, foi preciso construir o próprio túmulo.

O sarcófago. Um lugar para deitar a carne cansada. E se o cansaço vencer, já se fica por lá mesmo. No sarcófago. Dentro do seu mundo, da sua realidade. Onde é possível se encontrar, se entregar, se sacrificar. O sarcófago. Pensamento, sonho, ilusão. A vida lá fora é muito cruel. O sarcófago. Nada melhor para quem sempre andou perto demais da morte.