Muro levantado, Sarcófago devidamente iluminado. O novo desafio era o que até então denominávamos: “A Limpeza do Sarcófago”, exigida por Jayme para que começássemos a filmar seu atelier. Logo pensei: Como Jayme vai limpar aquele universo caótico? O que é lixo e o que não é lixo ali? Bom, decidi independente de qualquer coisa, filmar tudo. Esse seria nosso primeiro dia de filmagem, o primeiro e o mais complicado. A limpeza estava recheada de exigências: Jayme não poderia sair do atelier carregando o lixo e jogá-lo na carreta, ele estava extremamente tenso com o processo de limpeza. Não queria de forma nenhuma que os vizinhos observassem o andamento das coisas, analisassem que tipo de entulho estava saindo do Sarcófago. Eles jamais compreenderiam o processo.
Jayme fazia questão que tudo acontecesse às cinco da madrugada e que a carreta parasse colada em sua porta, assim não precisaria sair do atelier, poderia arremessar os sacos e objetos diretamente na caçamba. Outra exigência era a compra de uma super mascara com cilindro de oxigênio. Existe um lugar no Sarcófago, uma espécie de chaminé, que segundo Jayme, mora um enorme rato, esse rato vêm soltando pêlos no interior dessa estrutura há séculos e se qualquer pessoa respirar essa poeira/secular, fatalmente adoeceria. Pensamos: massa, vamos comprar para toda equipe então. O problema é que a tal mascara custava um pouco acima do que imaginávamos. Principalmente para um filme de baixo orçamento como o nosso. Então, apesar dos protestos de Fábio, decidimos comprar a de Jayme e nos arriscarmos com nossos filtros mesmo.
Beleza, vamos nessa então, como a rua de Jayme é muito estreita, tivemos que armar uma logística danada com cones para que nossa carreta, parada no lado oposto ao de estacionar, não bloqueasse todo o tráfego da Ladeira do Carmo. Inailton conseguiu alguns cones com o Sargento que estava fazendo nossa segurança, pegou mais um com o próprio Jayme e ficou tudo certo.
Com o som também já estava tudo acertado. Um dia antes tínhamos visitado o Sarcófago com Napoleão e Weider, nossos técnicos de som. Segundo Napa, nós tínhamos descrevido o Sarcófago, em termos sonoros, um pouco pior que a realidade, porém, continuava bastante assustador. Logo foi diagnosticado que o sistema de ventilação de Jayme não caminharia muito bem com a captação de som direto. Após alguns minutos de explicação convencemos Jayme a desligá-lo durante a filmagem. No entanto, ao desligá-lo para um teste, percebemos que os sons da rua eram tão invasivos quanto ele. Jayme sabiamente se manifestou: - Ele foi construído exatamente para reprimir o som dos tambores! Refletimos um pouco entre optar pelos tambores ou pela turbina. Para nossa infelicidade corporal, o turbo/ventilador foi derrotado.
Pois bem, voltemos à filmagem, começamos com um certo atraso, a carreta só chegou as 6h. Subimos a pequena calçada, abrimos a lateral da caçamba e Jayme devidamente mascarado, iniciou o ritual de limpeza. Ou melhor, ritual de mudança. Nesse momento já tínhamos sido informados pelo próprio Jayme que não se tratava de uma limpeza, e que o que ele estava tirando do Sarcófago não era lixo, e sim matéria prima, reciclada durante anos em seu atelier. O que ele desejava agora era realizar a mudança dessa matéria, um remanejamento, sem destino, sem rumo, mas consciente que de alguma forma esses objetos voltariam para o seu Sarcófago. Pronto, depois de algumas broncas, ficou tudo entendido.
Definimos que dentro do Sarcófago com Jayme só ficaria eu e Fábio (Diretor de Fotografia). Igor (assistente de Fotografia) faria entradas pontuais para descarregar os cartões e dar apoio a Fábio. Somente nós três estávamos vestidos adequadamente para o Sarcófago. Do lado de fora Inailton (produtor de Campo), Carol e Eliana (Produtoras de Base), Napoleão e Weider (Som), que antes de tudo já tinham lapelado Jayme e o atelier, Zé Bola(Eletricista), Cristiano (motorista) e o Sargento, que segundo Inailton é o dono do Pelourinho. No decorrer do dia percebemos que ele não estava mentindo. Hum! Já estava esquecendo Mauricio, motorista da carreta de frete, figura importante também no dia.
Jayme parecia incorporado. Apesar de termos dado instruções para ele falar enquanto trabalhava, a única coisa ouvida nesse dia foram xingamentos, gritos e urros. Como um mecanismo acionado o Fygura percorria os corredores do Sarcófago com os braços cheios de entulhos. Se batendo nas paredes, empresando, arrancando, mutilando. Havia momentos em que parecia que Jayme esquecia que era humano, que carrega um corpo, com pele, ossos e sangue. Desgraça!!! Revirando aqueles objetos Jayme parecia estar estripando as suas próprias entranhas. As idas e vindas levantavam uma nuvem de poeira. A fedentina se instalou. Tentávamos nos posicionar à procura do plano perfeito, sem atrapalhar sua movimentação. Para permanecer ali se fazia necessário adentrar na energia de Jayme, acompanhar seu transe, e seguir em ritual. A caçamba enchia cada vez mais. Em alguns momentos tive que passar do Sarcófago para a caçamba para organizar os entulhos na carroceria. Esse processo se estendeu por horas. Muito mais do que as 2h que nós e Jayme imaginávamos. A montanha de entulho não parava de crescer. Mauricio, o dono da carreta, parecia não acreditar no que estava acontecendo, tinha sido chamado para um simples frete e estava ali, diante das entranhas de um Sarcófago. A tal mudança acabou por virar um acontecimento no Pelourinho.
Jayme fazia questão que tudo acontecesse às cinco da madrugada e que a carreta parasse colada em sua porta, assim não precisaria sair do atelier, poderia arremessar os sacos e objetos diretamente na caçamba. Outra exigência era a compra de uma super mascara com cilindro de oxigênio. Existe um lugar no Sarcófago, uma espécie de chaminé, que segundo Jayme, mora um enorme rato, esse rato vêm soltando pêlos no interior dessa estrutura há séculos e se qualquer pessoa respirar essa poeira/secular, fatalmente adoeceria. Pensamos: massa, vamos comprar para toda equipe então. O problema é que a tal mascara custava um pouco acima do que imaginávamos. Principalmente para um filme de baixo orçamento como o nosso. Então, apesar dos protestos de Fábio, decidimos comprar a de Jayme e nos arriscarmos com nossos filtros mesmo.
Beleza, vamos nessa então, como a rua de Jayme é muito estreita, tivemos que armar uma logística danada com cones para que nossa carreta, parada no lado oposto ao de estacionar, não bloqueasse todo o tráfego da Ladeira do Carmo. Inailton conseguiu alguns cones com o Sargento que estava fazendo nossa segurança, pegou mais um com o próprio Jayme e ficou tudo certo.
Com o som também já estava tudo acertado. Um dia antes tínhamos visitado o Sarcófago com Napoleão e Weider, nossos técnicos de som. Segundo Napa, nós tínhamos descrevido o Sarcófago, em termos sonoros, um pouco pior que a realidade, porém, continuava bastante assustador. Logo foi diagnosticado que o sistema de ventilação de Jayme não caminharia muito bem com a captação de som direto. Após alguns minutos de explicação convencemos Jayme a desligá-lo durante a filmagem. No entanto, ao desligá-lo para um teste, percebemos que os sons da rua eram tão invasivos quanto ele. Jayme sabiamente se manifestou: - Ele foi construído exatamente para reprimir o som dos tambores! Refletimos um pouco entre optar pelos tambores ou pela turbina. Para nossa infelicidade corporal, o turbo/ventilador foi derrotado.
Pois bem, voltemos à filmagem, começamos com um certo atraso, a carreta só chegou as 6h. Subimos a pequena calçada, abrimos a lateral da caçamba e Jayme devidamente mascarado, iniciou o ritual de limpeza. Ou melhor, ritual de mudança. Nesse momento já tínhamos sido informados pelo próprio Jayme que não se tratava de uma limpeza, e que o que ele estava tirando do Sarcófago não era lixo, e sim matéria prima, reciclada durante anos em seu atelier. O que ele desejava agora era realizar a mudança dessa matéria, um remanejamento, sem destino, sem rumo, mas consciente que de alguma forma esses objetos voltariam para o seu Sarcófago. Pronto, depois de algumas broncas, ficou tudo entendido.
Definimos que dentro do Sarcófago com Jayme só ficaria eu e Fábio (Diretor de Fotografia). Igor (assistente de Fotografia) faria entradas pontuais para descarregar os cartões e dar apoio a Fábio. Somente nós três estávamos vestidos adequadamente para o Sarcófago. Do lado de fora Inailton (produtor de Campo), Carol e Eliana (Produtoras de Base), Napoleão e Weider (Som), que antes de tudo já tinham lapelado Jayme e o atelier, Zé Bola(Eletricista), Cristiano (motorista) e o Sargento, que segundo Inailton é o dono do Pelourinho. No decorrer do dia percebemos que ele não estava mentindo. Hum! Já estava esquecendo Mauricio, motorista da carreta de frete, figura importante também no dia.
Jayme parecia incorporado. Apesar de termos dado instruções para ele falar enquanto trabalhava, a única coisa ouvida nesse dia foram xingamentos, gritos e urros. Como um mecanismo acionado o Fygura percorria os corredores do Sarcófago com os braços cheios de entulhos. Se batendo nas paredes, empresando, arrancando, mutilando. Havia momentos em que parecia que Jayme esquecia que era humano, que carrega um corpo, com pele, ossos e sangue. Desgraça!!! Revirando aqueles objetos Jayme parecia estar estripando as suas próprias entranhas. As idas e vindas levantavam uma nuvem de poeira. A fedentina se instalou. Tentávamos nos posicionar à procura do plano perfeito, sem atrapalhar sua movimentação. Para permanecer ali se fazia necessário adentrar na energia de Jayme, acompanhar seu transe, e seguir em ritual. A caçamba enchia cada vez mais. Em alguns momentos tive que passar do Sarcófago para a caçamba para organizar os entulhos na carroceria. Esse processo se estendeu por horas. Muito mais do que as 2h que nós e Jayme imaginávamos. A montanha de entulho não parava de crescer. Mauricio, o dono da carreta, parecia não acreditar no que estava acontecendo, tinha sido chamado para um simples frete e estava ali, diante das entranhas de um Sarcófago. A tal mudança acabou por virar um acontecimento no Pelourinho.
Diferente da descrição exigida por Jayme, os vizinhos e os transeunte acabaram virando espectadores do processo. O Gari que subia a rua perguntou: Jayme está se mudando? O bêbado boquiaberto: Ele Morreu? A velha vizinha do andar de cima cantarolou: Até que em fim, até que em fim! Impávido, protegido por sua mascara, Jayme prosseguiu durante horas. Para mim, ao ver a carreta subindo a ladeira, ficou difícil de entender de onde Jayme tirou todo aquele volume. No final, ao entrar novamente no Sarcófago, ele parecia o mesmo, intacto, como se nada tivesse saído dali. Somente imagens e sons maravilhosos.
Texto: Daniel Lisboa
Foto: João Ramos
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