O Sarcófago
por João Toledo
O curta de Daniel Lisboa é certamente um dos filmes mais fortes da mostra competitiva brasileira. Seu impenetrável protagonista é um homem no qual se imbricam vida e arte. Trata-se de um personagem cuja vida pessoal já não parece se distinguir de suas práticas expressivas; tornou-se, ele próprio, objeto de sua criação, veículo de sua arte, homem sem face em busca de superar seu corpo, encontrar uma força pós-humana. O homem conflituoso, de arte violenta e rude, vai aos poucos deixando fluir uma torrente de pensamentos ora contraditórios enquanto eleva uma espécie sarcófago de barro, última fortaleza de sua dor solitária, ou leito de sua superação. Nenhum pensamento, no entanto, é pleno o suficiente para desmascararmos o homem cuja face já não o representa.
Lisboa opta por não nos permitir acesso à imagem humana do protagonista, assim como não nos é dada qualquer informação sobre sua vida pessoal a ponto de nos permitir conclusões e explicações sociológicas ou psicológicas. Interessa menos o que o levou até ali e mais o que ele produz; interessa a força de uma imagem, o peso de sua caminhada, a grosseria de seu acabamento, interessam os sons que constroem e dão peso àquela atmosfera insólita. Daniel faz um filme extremamente sensorial, um filme que penetra a forma, que abraça a instabilidade e o caos daquele universo para construir uma narrativa de solidão e dor sem precisar representar a solidão ou a dor; estas se inscrevem sutilmente no registro, e se potencializam no peso do som e da tela que nos consomem.
*Visto no 12º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte
por João Toledo
O curta de Daniel Lisboa é certamente um dos filmes mais fortes da mostra competitiva brasileira. Seu impenetrável protagonista é um homem no qual se imbricam vida e arte. Trata-se de um personagem cuja vida pessoal já não parece se distinguir de suas práticas expressivas; tornou-se, ele próprio, objeto de sua criação, veículo de sua arte, homem sem face em busca de superar seu corpo, encontrar uma força pós-humana. O homem conflituoso, de arte violenta e rude, vai aos poucos deixando fluir uma torrente de pensamentos ora contraditórios enquanto eleva uma espécie sarcófago de barro, última fortaleza de sua dor solitária, ou leito de sua superação. Nenhum pensamento, no entanto, é pleno o suficiente para desmascararmos o homem cuja face já não o representa.
Lisboa opta por não nos permitir acesso à imagem humana do protagonista, assim como não nos é dada qualquer informação sobre sua vida pessoal a ponto de nos permitir conclusões e explicações sociológicas ou psicológicas. Interessa menos o que o levou até ali e mais o que ele produz; interessa a força de uma imagem, o peso de sua caminhada, a grosseria de seu acabamento, interessam os sons que constroem e dão peso àquela atmosfera insólita. Daniel faz um filme extremamente sensorial, um filme que penetra a forma, que abraça a instabilidade e o caos daquele universo para construir uma narrativa de solidão e dor sem precisar representar a solidão ou a dor; estas se inscrevem sutilmente no registro, e se potencializam no peso do som e da tela que nos consomem.
*Visto no 12º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte
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